Disque Denúncia


Disque-Denúncia entrevista o Juiz de Direito Alexandre Abrahão


Ele é presidente do 3º Tribunal do Júri do Município do Rio de Janeiro e um importante estudioso das organizações criminosas no Brasil.

04/07/2017

Alexandre Abrahão Dias Teixeira é juiz desde 1998. Atuou por vários anos como professor em diversas Universidades e/ou Faculdades particulares e na EMERJ. Foi o sexto colocado no concurso público para Juiz de Direito promovido pelo Tribunal de Justiça do estado do Rio de Janeiro em 1998.

Alexandre Abrahão Dias Teixeira foi juiz auditor da Justiça Militar do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro no biênio 2003/2004, quando foi promovido por merecimento e se tornou titular da 1ª Vara Criminal Regional de Bangu, lá permanecendo até 2013. 

Atualmente o juiz preside o 3º Tribunal do Júri do Município do Rio de Janeiro, tendo sido responsável, ao longo dos quase vinte anos de carreira, por graves e rumorosos processos de repercussão nacional e internacional. E ainda conhecido por sua constante luta na qualificação e valorização dos policiais brasileiros, único meio de reduzir as vertiginosas estatísticas homicidas do estado. 
 



Para conhecer melhor o trabalho do Juiz Alexandre Abrahão Dias Teixeira, o Disque-Denúncia teve a honra de entrevistá-lo. Nosso intuito é enriquecer nosso grande público e esclarecer um lado da justiça que sabemos, muitas vezes, ser distante dos cidadãos.  

1. Quais foram os caminhos traçados em sua trajetória acadêmica e profissional, as principais dificuldades e os casos mais emblemáticos? 

A minha trajetória sempre foi muito intensa. Já de cedo eu sonhava com a carreira de magistrado. Comecei a trabalhar cedo como office-boy, fui conferente no Cais do Porto e cheguei a chefe do departamento de pessoal de uma empresa de entregas. Nesse período, paralelamente ingressei na faculdade de direito e me formei em 1994. Logo a seguir ingressei na OAB/RJ, passando a dividir meu tempo entre a advocacia, o magistério e os estudos, até que em novembro de 1998 tomei posse como magistrado substituto no TJRJ onde estou desde então. Foi, sem sombra de dúvidas, um caminho tortuoso mas que me valeu a pena.


2. Acredita-se que o senhor tenha um olhar diferenciado e mais próximo de uma realidade desconhecida do grande público. Como é possível trazer este olhar, um entendimento ainda tão distante, para uma sociedade cada vez mais descrente da importância em valorizar nossos policiais e tão propícia a uma inversão de valores, conforme assistimos diariamente? 

Sempre fui uma pessoa muito curiosa. Sempre gostei de ver as coisas como elas de fato funcionam. Alguns anos como magistrado me foram suficientes para ver que os sistemas jurídico e/ou policial estão distantes dos anseios populares. Hoje estou convicto de que os sistemas jurídico e o policial não prestam bom serviço. Muito pelo contrário, estamos francamente distantes da sociedade. Eis as razões pelas quais ambos, de um modo geral, vem sendo alvo de tantas críticas. Os operadores do direito – todos eles – devem olhar mais para o povo, defendendo sempre, por questões óbvias, os direitos e garantias individuais dos acusados, pois só assim se estará legitimando o tão sonhado combate à impunidade. Nesse passo, fui estudar a matéria. Analisei durante anos e de forma silenciosa todo o processo de seleção, preparo, entrega e reciclagem de agentes públicos no Brasil e no mundo e, nesse momento, me dei conta de que assim como o mundo jurídico, o policial também presta um desserviço à sociedade, de modo geral. É bem verdade que alguns atos desses dois universos são bem recebidos e aplaudidos, mas na verdade falta-nos padrão e profissionalismo. Há muita gente boa na polícia, no judiciário, no MP, na Defensoria e na Advocacia, quero lembrar. Diariamente vejo quantos ganhos esse material humano produz, entretanto, a sociedade paga caro, muito caro por serviços que deveriam ter mais efetividade. Há de se entender que a mancha criminal é sobremaneira alimentada, vejo isso diariamente nos processos que conduzo, pelos desgastes de uma tropa mal alimentada, treinada, reciclada, selecionada e psiquiatricamente destruída. Os danos vem em forma de “conta gotas” e as pessoas não se dão conta das graves sequelas. Fomos tomados de assalto, eis o “x” da questão, pelo malsinado agente “politicamente correto”. Esse é muito pior do que o corrupto. O corrupto atua e, se o sistema correcional atuar, ele acaba identificado e processado. Já o outro, nunca se alcança. Ele está sempre vagando pelos gabinetes com um discurso polido e agradável. Jamais se expõe e vive de mal falar dos demais para se autopromover.  Se escusa de fazer mais porque, afinal de contas, “é um mero cumpridor da lei”. Esse material humano corrói todas as estruturas e, ai sim, a inversão de valores opera em toda a sua inteireza porque quem faz geralmente não é lembrado, só quando eventualmente erra. Precisamos ser mais técnicos e menos politicamente corretos. Lembro-me, nesse passo, de François Guizot: “Quando a política penetra no recinto dos Tribunais, a Justiça se retira por alguma porta”. Amoldo essa frase a segurança pública: “Quando a política penetra nos recintos policiais, o profissionalismo operacional se retira por alguma porta.” Precisamos banir essa gente com urgência. Só assim reduziremos as estatísticas sangrentas produzidas por e contra policiais. E como penso!

  
3. Atualmente, qual o cenário do Tribunal de Justiça em relação a criminalidade no estado do Rio de Janeiro, o que pode ser feito para tentar combate-lo e como o Disque-Denúncia pode ajudar?

Um Tribunal é formado de pessoas. Há, sim, um grande número de operadores sensíveis a situação atual. Movimentos positivos se formaram para tentar reconstruir o país, em especial o Rio de Janeiro. Em âmbito nacional destaco o FONAJUC e aqui o MCI (Movimento de Combate à Impunidade). Naturalmente apedrejamentos surgiram, entretanto, todos cedem diante de uma pergunta óbvia: A quem interessa a impunidade? É evidente que a impunidade é o combustível de grande parte dos males do nosso país. Ela alimenta o pequeno furtador nas vias públicas da mesma forma que instiga os grandes agentes e empresários que lesaram a educação, a saúde, o sistema penitenciário, etc. Precisamos ser intolerantes com os erros injustificáveis. Não estou defendendo, nem de longe, o amaldiçoado período de “caça às bruxas”, pois quem o defende é tão usurpador da lei quanto quem sonega, rouba, estupra, furta, etc.  Aos acusados, é nosso dever, deve-se resguardar direitos e garantias individuais, pois assim determinam as leis e a Constituição. Defender a Impunidade não significa, tal como alguns querem fazer crer, aplaudir o estado canhestro de grande parte dos presídios brasileiros. Esses presídios, aliás, só chegaram a esse pé porque lá estava a impunidade permitindo o sucateamento do sistema. Interessante como quem defende o desencarceramento, ainda que não queira, reconhece que a impunidade permitiu aquilo; não? A cegueira emocional de quem vê na impunidade uma forma de opressão, definida por Diego Pessi e Leonardo Giardini como “Bandidolatria”, não tem nada de razoável porque se alimenta da incoerência. Acaso a impunidade não reinasse no país, muitos dos encarcerados, tão romanticamente defendidos, lá não estariam porque as verbas desviadas pelos impunes abonados da saúde, educação, infraestrutura, etc, estariam garantidas para os impunes desabonados e seus familiares. Isso me parece obvio, entretanto, em período de histeria social,  relembro Bertolt Brecht: “Que tempos são estes, em que temos que defender o óbvio?” O que precisamos é de mais pragmatismo e menos, me perdoem, “mi mi mi” acadêmico, para usar o linguajar dos nossos adolescentes. Nesse passo, o disque-denúncia se apresenta com grande ferramenta para todos nós. Especialmente para as famílias das vítimas, sempre tão relegadas a segundo plano. 

 

 4. Outro assunto que muito se discute na sociedade e que percebemos não ser tão claro à população são as “Audiências de Custódia”.  Há uma sensação, por parte da sociedade, de que a polícia prende e a justiça solta. A que o senhor atribui a dificuldade das pessoas em compreender que sejam cumpridas as normas de direitos humanos para que se dê maior valor às garantias constitucionais, em relação à pessoa presa?

Antes de mais nada quero dizer que não sou contra as audiências de custódia. Sou sim, contra a forma de sua implementação, mais voltada a dar satisfação aos anseios da mídia do que atender a um sistema legislativo vigente. Recentemente li o artigo “Juízes e tribunais dão jeitinho brasileiro para não fazer audiência de custódia” no site www.conjur.com.br. Achei excelente a exposição. Identificado o fato – superpopulação carcerária -, todos correm para estabelecer solução meteórica. Eis o problema em querer andar no tempo da mídia. Não se estabelece uma mudança radical desse naipe sem antes estudar e estabelecer parâmetros práticos para a execução da inovação. O Brasil insiste na tecla de que basta um dispositivo legal para fazer desaparecer o problema. É o que Luiz Flávio Gomes chama de “inflação legislativa”. Há reclame? Cria uma lei. Pois bem! Criada a regra todos se entorpeceram. Não resolveram o problema da superpopulação carcerária e ainda criaram outros que, graças a limitação de orçamentos dos tribunais, forçou os executores, lá na ponta, a fabricar o famoso “jeitinho” para resolver tudo. E nem se diga que foi novidade. Há trinta anos que se fala em inchaço dos presídios. O Pacto de San José da Costa Rica já está em vigor há séculos. Logo, ninguém pode dizer que foi surpreendido por algo novo e avassalador. O que defendo, por achar inteligente, é que antes de se implementar uma mudança radical como essa, se tenha a prudência de estudar seus reflexos e necessidades, especialmente nesse nosso país de dimensões continentais.


5. Como o senhor vê o trabalho do Disque-Denúncia não somente na luta incessante pelo combate aos crimes no estado do Rio de Janeiro, mas principalmente como instrumento de apoio no trabalho da justiça?

Como disse e reafirmo: vejo no disque-denúncia um grande instrumento de aprimoramento da sociedade e de fortalecimento da justiça como um todo. Todos nós que operamos o sistema diariamente constatamos a grandeza desse trabalho que, tenho visto, se ressente com o colapso dos sistemas do Rio de Janeiro. Não vejo, na atual conjuntura, como negar a todos nós a grandeza do disque-denúncia

 

O Disque-Denúncia agradece a gentileza da entrevista que muito contribuirá para um melhor entendimento de nossos leitores e denunciantes; não somente à importância da Justiça no andamento e elucidação dos casos judiciais, mas principalmente no cuidado em valorizar nossos agentes públicos de segurança.

O Disque-Denúncia solicita a população de todo o Estado que continue denunciando qualquer tipo de atividade criminosa através do APP “Disque Denúncia Rio”, onde é possível anexar fotos e vídeos, disponível nas lojas virtuais Google Play e Apple Store ou através dos telefones 2253 1177 (capital) e 0300 253 1177 (interior) no custo de uma ligação local.  O anonimato é garantido ao denunciante. ​​